8 de março de 2012

Barbárie (artigo de Miguel Baldez).


“Barbárie”

Miguel Baldez


As aspas são uma referência à presidenta Dilma Rousseff que, segundo dizem os jornais, usou esta mesma expressão para classificar a violência do Estado de São Paulo contra a comunidade do Pinheirinho em São José dos Campos. Barbárie sim, mas e agora? Como vai comportar-se o governo federal? Acomodar-se e reduzir o fato em si a mero caso isolado, ou admitir, enfim, que não se trata de uma simples exceção política, como poderia, até com argumentos conceituais, manter na história do Brasil o atual fingimento democrático que esconde esta sociedade de privilégios e miséria cuja origem se perde na gestação colonial de estrutura escravista para projetar-se tempo afora sob o signo fortemente colorido da pobreza de seu povo, de parca alimentação e sequestrada moradia.

     A este povo nunca se reconheceu, concretamente, qualquer direito, apenas bem elaboradas formas e formulações jurídicas, uma bem urdida igualdade na lei. Se todos são iguais perante a lei, como diz lá a Constituição Federal em seu artigo 5º, a igualdade será sempre, sendo a lei abstrata, uma abstração.

     Pois está na imposição e eficácia da lei abstrata o principal meio de controle da sociedade. É através das leis que se reduzem a conflitos individuais as grandes contradições sócio-econômicas, é assim, como exemplo definitivo, que a contradição entre trabalho e capital, pela regulação do direito do trabalho, fica reduzida ao conflito entre empregado e empregador, é assim também que a contradição entre o latifúndio ou o agronegócio e a posse da terra configura-se como conflito pessoal entre o latifundiário e o posseiro.

     Foi, portanto, com poder político, força e fórmulas jurídicas que o poder econômico construiu em torno da terra no Brasil, antes dos mourões e do arame farpado, uma quase intransponível cerca jurídica, uma não, na verdade, duas cercas jurídicas, uma cerca morta, tecida com normas constitucionais, leis, regulamentos, regras, produzida por competentes artesãos de variados poderes institucionais, outra viva, representada por juízes, desembargadores e ministros de sabe-se lá quantos tribunais, e, principalmente, por ferozes policiais muito bem amestrados que se revezam com a imprensa como cães de guarda da propriedade privada.

A violenta investida armada, incluindo, como parece, armas letais, contra Pinheirinho não chega a ser uma novidade no trato do povo sem terra, no campo, e sem moradia, nas cidades. Se o espanto e a repercussão foram maiores isso se deveu à brutalidade da ação das autoridades do governo de São Paulo ao mostrarem, sem o menor pudor, a cara horrenda do fascismo.

     O repúdio ao massacre do Pinheirinho por sua dimensão nacional e mesmo, espera-se, internacional, vem reforçar o repúdio a todas as situações idênticas cada hora mais freqüentes nestes brasis: em Belo Horizonte, a heróica resistência de Dandara, no Rio de Janeiro, a permanente prática predatória do Prefeito e de seu fidelíssimo Secretário de Habitação, derrubando com frenético ritmo casas e mais casas da população pobre da cidade... E são todos religiosos e fiéis a seus respectivos credos... Como se dizia aliás de vários torturadores durante a ditadura militar.

     Como resistir? Só o povo, organizando-se, pode fazê-lo. Só o povo, reconhecendo-se como coletivo e com a consciência de sua realidade histórica, pode travar esta luta, que, sendo estratégica, é libertária, e pressupõe ética e igualdade substantiva. Mas esta é uma luta que não se trava sozinho. Daí ser fundamental o apoio de todos à gente do Pinheirinho, apoio do povo e das instâncias democráticas do campo institucional como as defensorias públicas em geral e outros órgãos, oficiais ou não, comprometidos com os princípios e as regras de direitos humanos.

     Enfim, em conclusão, um apelo à Exª. Srª. Presidenta da República. Diga, Exª., a essa gente do poder, que a sua prédica pela erradicação da pobreza, além do discurso, é um princípio constitucional (artigo 3º da Constituição Federal), e diga também, com forte ênfase, que erradicar a pobreza não significa acabar fisicamente com os pobres desta sofrida nação.  

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